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O olhar de um Africano sobre uma “África enegrecida”...



   Trata-se, aqui, de mais uma obra densa, caracterizada por uma senilidade académica invejável, e bastante proveitosa, até mesmo quando é lida passionalmente. Tal como qualquer obra, esta é neutra: pode servir para incitar debates e investigações ulteriores; pode gerar sentimentos reaccionários; e, sendo este ponto mais constatável, pode gerar um séquito de fundamentalistas africanos.

   Antes de fazer uma abordagem sobre a história de África, neste livro, Boubacar Namory Keita, autor maliano, doutorado em Ciências Históricas, julga fundamental que se façam alguns ajustes metodológico e conceptual, para que “a verdade histórica” seja reposta integralmente. O autor critica, em certa medida, muitos historiadores que se apegam somente aos métodos de análise clássica, que reduzem a História a simples factos e datas, e acabam por postergar aspectos  que fazem da presença humana digna de ser registada para posteridade, (...)“sem profundidade histórica não pode haver identidade".

   De fio a pavio, do primeiro ao último capítulo do livro, Boubacar recorre as pesquisas, ainda não refutadas (pelo que depreendi) do egiptólogo senegalês Cheick A. Diop para provar que o Berço da Humanidade foi também o continente civilizador do mundo e cita alguns teóricos que visavam diminuir o papel do terceiro maior continente na história da humanidade com fito de “justificar as barbáries evocadas em nome da civilização europeia” (sic). Por exemplo, Friedrich Hegel achava a África negra desprovida de história e filosofia. Trevor Hooper alegava que a história da Europa era a única que merecia ser contada. Arthur de Gobineau acreditava em raças fortes e fracas (esta última exclusiva para os negros). Boubacar serve-se, concumitantemente, de outros autores africanos e ocidentais para validar a "versão dos Africanos sobre África". 

  A parte inteiramente histórica mescla-se com a reflexiva neste livro. O autor discorre, sinteticamente, sobre os cerca 7 mil anos de estada dos povos no Vale do Nilo (da época pré-dinástica à dinástica) e os 12 séculos da Idade Média que acompanharam o surgimento, a islamização e a queda dos principais impérios africanos. Como disse, inicialmente, a obra é densa. Muitos temas podem ser extraídos dela.

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