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INTROSPECÇÃO – O ESTRANGEIRO NATIVO – pt.13




Volvidos 4 anos de estudos intensos na diáspora, Afonso voltava ao País que o viu surgir. Era aguardado com bastante expectativa. Os parentes orgulhavam-se pelo feito; em África, quanto mais modos europeus a pessoa tiver maior será o júbilo e o prestígio da família. Os amigos recebiam-no com abraços acalorados. Serão verdadeiros? Quem identifica falsidade no outro é tão falso quanto ele. A dissimulação é humana, aceitar que se é dissimulado não. 

Afonso mastigava de modo camoniano o português enquanto discorria sobre seus projectos e realizações. Todos boquiabertos e aparvalhados se prestavam para ouvir aquela apoteótica deidade.

Nascia entre as crianças uma névoa de esperança que solidificava o desejo hereditário pelas proezas do Ocidente. Embora fossem física e emocinalmente diferentes, as mulheres não conseguiam impedir a actuação da natureza atrelada ao senso comum: homem bonito, bem-apessoado, realizado e culto. Elas flertavam auditivamente. Os homens ensopavam-se de inveja, mas o bendito álcool encarrregava-se de os descontrair. 

Faltava a Afonso ligar à amada para saber o motivo do atraso.
— Ilustre Pedro, faculta-me por obséquio o seu telemóvel para eu poder efectuar um telefonema — pediu pomposamente Afonso ao amigo mecânico. Pedro anuiu, prestativo como sempre o foi desde criança. O telefone chamava.
Ouvia-se do outro lado:
– Alô, meu mecânico gostoso!

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