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A mostrar mensagens de 2018

DESEJO DO NEGRO: SER BRANCO

Ler Frantz Fanon não é trabalho fácil, pelo menos não o é para mim. Inicialmente chega a incomodar pelo choque que causa durante a leitura, contudo a densidade do psicólogo torna cada argumento difícil de contestar.  O racicínio do autor franco-martinicano orbita entre a análise histórica e a psicológica — do colonialismo, os subsequentes traumas culturais à sutileza das práticas racistas nas relações inter-raciais.  No séc. XVII, precisamente em 1635, vários prisioneiros negros da África Ocidental foram levados às Pequenas Antilhas para trabalharem na plantação de cana-de-açucar, cacau, rum e algodão. Estes homens e mulheres repovoaram os actuais departamentos insulares do Estado gaulês, inclusivamente a Martinica (terra natal do autor).  Com apenas vinte e poucos anos, Fanon mudou-se da pequena ilha caribenha para França a fim de dar sequência aos estudos. Posto lá, percebeu que para os Franceses ele não era Francês. Era apenas descendente de “pretos de África”. Na a

ANGOLA – Dez Anos de Desconcentração e Descentralização Administrativas

Fruto de um «destacamento» autoral douto no assunto, o livro procura descrever como decorre a autarcização em Angola, distrinçando [de forma pouco clara] desconcentração de descentralização. A obra apresenta uma dimensão histórica, pois incorre nas guerras colonial e civil angolanas que, conforme subjaz na escrita, foram o corolário de muitas fragilidades conjunturais do Estado; dimensão funcional, com enfoque para reforma administrativa, operacionalidade dos serviços públicos, Programa de Desenvolvimento Nacional (PDN) e sub-programas, como os Programa de Desenvolvimento Municipal (PDM), Programa Nacional de Formação de Quadros, Programa de Combate à Pobreza, planos directores e sectoriais; dimensão sociológica, destacam-se a formação de recursos humanos, os Conselhos de Concertação e Auscultação Social (CACS) e as assimetrias regionais. Os nove autores apontam para os desafios e as ameaças de um poder descentralizado. Desde 2007 que se priorizam mudanças na planificação

OS CRÍTICOS DA CRISE |08.2016|

                       Sim, agora, está na moda. É moda criticar, então me deixem criticar. O advento da tão indesejada crise gerou uma massa de inconformados em todos os pontos do País, — escrevo com inicial maiúscula para que os chauvinistas não me critiquem por falta de patriotismo — esta é a pura verdade ou, pelo menos, parte dela. Todo cidadão, nesta fase, é um analista mordaz, altamente formado por um ideal qualquer. Nos táxis, nos bares, nas praças e, para os que gostam das gajas da rua, até na «Monique», há sempre um miserabilista.  Os pessimistas são uma infestação para a sociedade; eles falham e inventam uma desculpa para não voltar a tentar. A conjuntura actual, porém, torna válidos todos os discursos indecorosos. Eu não fui ao trabalho, é a crise; não fiz isso, é a crise; não posso, é a crise.  A nossa preguiça é filosófica. Trocamos a capacidade de produção por mesas-redondas.  As crianças não tiveram nenhuma escapatória. As nossas pequenas críticas falam

BREXIT — UM DIVÓRCIO (DES)FAVORÁVEL |06. 2016|

                             Mais de 40 anos de casamento não foram suficientes para estancar a vontade do Reino Unido de se livrar de seu cônjuge. A relação entre Londres e Bruxelas já não é a mais exemplar, a paixão esmoreceu e os ideais unívocos que nortearam a aliança dos britânicos com o bloco europeu não são relevados.      Após o esmagador número de votos a favor da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), consumou-se o divórcio que deu a uns alívio, por um lado, e a outros insatisfação, por outro lado. Em agenda, segundo os eurocépticos, estão as questões do controlo das fronteiras e da imigração.       As negociações vão continuar em curso depois da aplicação do Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que estipula a possibilidade de qualquer Estado-membro sair de forma voluntária da UE num prazo de 2 anos. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, afirma que se trata de um «processo lento» que pode «exceder os 2 anos» previstos pelo Artigo 50. O primeiro-ministro

Powerpuff Girls — A Luta Contra Mudança

                           Graças às lutas emancipalistas,  o combate contra a misoginia e a desigualdade salarial entre homem e mulher tem sido um êxito. A mulher é tão capaz quanto o homem. Já é consabido (por mim e você). Hoje por hoje, já se sabe que o discurso falocéntrico é um sinal de retrocesso.     Tentar reduzir o sucesso feminino às achas da cultura da prostituição é, claramente, demonstração de falta de lucidez. É a primeira vez em toda história que o grito das mulheres é ouvido, homogeneamente,  em todo mundo; decerto que ainda há muito por se fazer.         Nos dias que correm, notamos que o oponente da feminista não é o machista. O machista é somente o “objecto aversivo” que, adversamente, dá à luz toda emanação feminista.  As feministas têm o sucesso encravado por causa das “powerpuff girls” — mulheres que lutam contra a mudança e promovem, de modo servil e sádico, a coisificação da mulher.                          As “powerpuff girls”, diga-se, n

INDEPENDÊNCIA DA CATALUNHA – REALISMO OU QUIXOTISMO |10. 2017|

                                                                                                                                                                 Há muito que a Catalunha casou com a Espanha. Na fase inicial da unificação era tudo tão intenso: uma rapidinha em Castela, outra em Aragão. Sexo incansável. Alguns vizinhos duvidavam da durabilidade e das motivações desta relação. Como todo mundo sabe, geralmente, a vizinhança é invejosa e barulhenta. Ainda mais no séc. XV em que a inveja era uma peculiaridade dos impérios: o poder consubstanciava -se na apropriação de «espaços vitais». Portugal chegou a levar umas 'falidas' na era do domínio filipino (1580-1640), mas, cá entre nós, uma 'falida' é só uma 'falida'. Nada a sério. Desde que a Catalunha foi infectada pelo bichinho da «Renaixença», parou de pensar no cônjuge e arrogou-se de suas próprias proezas. Espanha esteve sempre à coca. Seguiu, milimetricament e, o avanço do bichinho e, apó

ILHA DE INCERTEZAS: CONHECIMENTO

                         Dizia o fundador da ciência moderna, Francis Bacon (1561–1621), “ o conhecimento é poder ” . Na visão do filósofo londrino, o saber serve para restituir ao homem o poder sobre a natureza, com o fito de instaurar o império dos homens (imperium hominis) e demolir a herança 'arcaica' dos clássicos gregos, sobretudo, Platão e Aristóteles.  Decerto, concordaria o leitor, que o conhecimento é mais importante na vida do ser que se enfada do senso colectivo; porque, ao libertar-se da tradição metodológica, reinventa a fórmula social. Parece simples e bonito. Há, contudo, pormenores que mudam o curso da caminhada. O saber pode servir para apoiar ideias ambíguas. Platão apoiava a educação do mesmo modo que desaprovava a vida familiar. Aristóteles defendia a eudaimonia [felicidade] ao passo que concordava com a escravidão.  O saber pode servir para justificar o preconceito. Hegel foi peremptório a descrever a dialéctica histórica com base no “ espí

Haverá alguma liberdade quando se autoriza alguém a reprimir a vontade colectiva?

      Todo processo criativo da obra inicia na França do séc. XVI. Etiéne de La Boétie, tradutor de obras helénicas, sentiu-se impelido à escrita depois de ter constatado uma 'injustiça tributária' – era o imposto sobre o sal.    Datando de 1563, ano em que morre o autor, o «Discurso sobre a Servidão Voluntária» é considerado por muitos um hino à liberdade. Não propriamente uma obra de teor político, mas uma reflexão pungente sobre a tirania.    Para La Boétie, o «governo de um só homem» – a monarquia – é sempre um risco, pois acaba sempre em tirania. Mas, o cerne da obra está no povo que serve voluntariamente o tirano. La Boétie considerava isso uma renúncia tácita à liberdade e cria que era «o próprio povo que forjava as mentiras em que posteriormente acreditava».   Na obra, o autor também trata da importância da amizade. Talvez subentendesse a relação de «estima mútua» que mantinha com Montaigne, o amigo mais próximo, mas o certo é que para La Boétie, a

O olhar de um Africano sobre uma “África enegrecida”...

   Trata-se, aqui, de mais uma obra densa, caracterizada por uma senilidade académica invejável, e bastante proveitosa, até mesmo quando é lida passionalmente. Tal como qualquer obra, esta é neutra: pode servir para incitar debates e investigações ulteriores; pode gerar sentimentos reaccionários; e, sendo este ponto mais constatável, pode gerar um séquito de fundamentalistas africanos.    Antes de fazer uma abordagem sobre a história de África, neste livro, Boubacar Namory Keita, autor maliano, doutorado em Ciências Históricas, julga fundamental que se façam alguns ajustes metodológico e conceptual, para que “a verdade histórica” seja reposta integralmente. O autor critica, em certa medida, muitos historiadores que se apegam somente aos métodos de análise clássica, que reduzem a História a simples factos e datas, e acabam por postergar aspectos  que fazem da presença humana digna de ser registada para posteridade, (...)“sem profundidade histórica não pode haver identidade&quo

Sapiens — Um Breve Reforço da “visão ocidental” de Humanidade

   Leitura finda. Não foi exactamente aquilo que ansiava do livro. Se o fosse, entretanto, não teria graça nenhuma. Esta obra é uma proposta interessante e recomendável para se pensar e questionar sobre a história da humanidade, embora reforce apenas aquilo que já se sabe minimamente sobre a visão eurpeia.     Yuval Noah Harari é um historiador israelense que se tem destacado imenso em pesquisas sobre o processo de hominização, revolução agrícola e revolução científica sem preterir a relevância da genética humana.    A verve do autor parte do instante em que os hominídeos transitam para a fase do polimento da matéria pétrea, — Neolítico — que se consubstanciou  na sedentarização e na intervenção directa do homem na produção (agricultura, pecuária e cerâmica). O autor garante algo com o qual todos obviamente concordamos: a evolução do homem é inevitável e interminável. A história segue o curso normal.   Quando trata da “Unificação da Humanidade”, rememora a posição con