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INDEPENDÊNCIA DA CATALUNHA – REALISMO OU QUIXOTISMO |10. 2017|

                        
                                                                                                                                       
Há muito que a Catalunha casou com a Espanha. Na fase inicial da unificação era tudo tão intenso: uma rapidinha em Castela, outra em Aragão. Sexo incansável. Alguns vizinhos duvidavam da durabilidade e das motivações desta relação.

Como todo mundo sabe, geralmente, a vizinhança é invejosa e barulhenta. Ainda mais no séc. XV em que a inveja era uma peculiaridade dos impérios: o poder consubstanciava-se na apropriação de «espaços vitais». Portugal chegou a levar umas 'falidas' na era do domínio filipino (1580-1640), mas, cá entre nós, uma 'falida' é só uma 'falida'. Nada a sério.

Desde que a Catalunha foi infectada pelo bichinho da «Renaixença», parou de pensar no cônjuge e arrogou-se de suas próprias proezas. Espanha esteve sempre à coca. Seguiu, milimetricamente, o avanço do bichinho e, após a queda da má governança franquista, que quase azedou tudo, Espanha tomou consciência de que precisava oficializar o casamento, no entanto, isso passaria por dar autonomia à Catalunha. 

Ressalta-se autonomia, não independência. Postos os papéis na mesa, «constituia-se em 1978» um matrimónio, que se supõe democrático, sob a aura simbólica da nobreza.

Volvidos 39 anos, na sequência de algumas insatisfações acumuladas pelo tempo; a Catalunha dividiu-se em dois grupos — separatistas e unionistas. 

Na Generalitat (Governo Autónomo da Catalunha), as bandeiras içadas perigam a unidade do Estado espanhol, que se vê envolto numa constrangedora e confrangedora situação.

Com total apoio do rei da Espanha, Filipe VI, Mariano Rajoy admoesta o Governo catalão que recupere o bom senso e garante, em tom ameaçador, que pode recorrer ao artigo 155, que permite ao Governo espanhol assumir o controlo daquela região que, por fortuna, pode perder a autonomia, caso se viole o princípio da legalidade. À semelhança de um pai incomum que diz 'vou bater-te, constitucionalmente, para ver se pões leis na cachola'. Rajoy revela-se tranquilo. É uma boa oportunidade para limpar o nome, depois do escândalo de corrupção em que esteve implicado em 2013. As mais surpreendentes e duvidosas análises provieram de 'treinadores de bancada' doutros Estados. 

De olhos vendados para o próprio país, o presidente venezualeano, Nicolas Maduro, que a todo custo viola a constituição e a dignidade dos venezuelanos, repugna a violência desencadeada pela segurança espanhola e tacha Rajoy como ditador. Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa, que tem vindo a lutar pela independência da Escócia de modo voraz, apelou aos espanhóis para calma.

Carles Puidgemont mostra ter sangue de barata, o homem não se verga fácil, contudo, caso Cervantes permita o julgamento, a atitude do presidente da Generalidade da Catalunha é meio quixotesca.

                              


Se se tratar de uma réplica de Dom Quixote; então, faltar-lhe-ia a companhia de Sancho Pança para injectar um pouco de realismo. Ou talvez não falte. O «micropoder foucaultiano» ganha algum fundamento aqui. A acrescentar à balbúrdia, «juntaram-se pelo sim» muitas figuras públicas catalães e estrangeiras.

O referendo 'incontistucional' foi exitoso para Puidgemont, porém, recentemente, milhares de pessoas em Espanha, Londres e Bruxelas, manifestaram-se contra o independentismo catalão e guindaram as bandeiras espanhola, «senyeres» (da Catalunha) e da União Europeia (UE). Puidgemont recebeu o ultimato com data-limite. Segunda-feira era o prazo. Agora, meio relutante, o presidente catalão pondera o que dizer. Ainda paira a pergunta: a República catalã será uma realidade ou um 'quixotismo'?

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